
Pedro Casassola
07 de Maio de 2025
Publicado pela primeira vez em 1929, Ideology and Utopia é uma das obras fundadoras da sociologia do conhecimento.
Karl Mannheim, sociólogo austro-húngaro radicado na Alemanha e depois na Inglaterra, parte de uma pergunta perturbadora: por que pessoas inteligentes, bem informadas e sinceras podem ter visões tão divergentes da realidade?
A resposta, segundo Mannheim, está nas raízes sociais do pensamento. Em outras palavras: o que pensamos é inseparável de onde estamos socialmente — e de onde queremos chegar. Este artigo apresenta os principais argumentos da obra, com base direta no texto original.
Mannheim identifica dois sentidos fundamentais do termo "ideologia":
Particular – quando acusamos o outro de estar iludido ou enganado, isto é, de não enxergar a realidade “como ela é”.
Total – quando reconhecemos que todo pensamento está socialmente condicionado, inclusive o nosso.
“It is not men in general who think, or even isolated individuals who do the thinking, but men in certain groups who have developed a particular style of thought...” (p. 3)
No segundo sentido, ideologia não é sinônimo de falsidade, mas de perspectiva: toda visão de mundo emerge de uma posição social determinada.
A utopia, para Mannheim, é o oposto da ideologia no plano funcional.
Se a ideologia tende a conservar a ordem existente, a utopia é o tipo de pensamento que visa transformá-la. Ela nasce de grupos marginalizados, cujas ideias não cabem na realidade vigente — mas que apontam para uma outra possível.
“Utopian thinking transcends reality, in order to negate and transform it.” (p. 173)
Ele identifica quatro formas de mentalidade utópica ao longo da história moderna:
O milenarismo orgiástico dos anabatistas
A utopia liberal-humanitária
A utopia conservadora
A utopia socialista-comunista
Cada uma dessas formas reflete a experiência de grupos sociais específicos em determinados momentos históricos.
Mannheim propõe uma nova disciplina — a sociologia do conhecimento — cujo objetivo é investigar como o pensamento se forma a partir da posição social do pensador.
“Every individual is therefore in a two-fold sense predetermined: by a ready-made situation and by preformed patterns of thought.” (p. 2)
Isso não significa que todo conhecimento é falso ou relativo. Pelo contrário: ele defende que só podemos alcançar uma nova forma de objetividade se reconhecermos, criticamente, os condicionamentos sociais de nossas ideias.
Diante da multiplicidade de pontos de vista conflitantes, surge o problema: é possível haver conhecimento objetivo?
Mannheim responde que sim — desde que deixemos de buscar uma verdade “neutra” e passemos a compreender os limites e a validade parcial de cada perspectiva.
Essa postura é chamada por ele de “relacionalismo” (e não relativismo): um método que reconhece que todo saber está situado, mas que, a partir disso, pode construir formas mais conscientes de entendimento mútuo e crítica social.
Mannheim escreve em um contexto de crise política e intelectual profunda — o colapso da República de Weimar e a ascensão de ideologias totalitárias.
Ele percebe que o mundo moderno perdeu a comunidade de sentido que antes unificava o pensamento. Agora, grupos sociais diferentes veem realidades diferentes, e até mesmo as palavras perdem um significado compartilhado.
“Not only does each of the conflicting factions have its own set of interests and purposes, but each has its picture of the world in which the same objects are accorded quite different meanings.” (p. xxvi)
Mannheim atribui papel central à chamada intelligentsia — os grupos de intelectuais que, por transitarem entre diferentes classes sociais, são os mais capazes de perceber a multiplicidade de visões de mundo e de criar sínteses críticas.
Mas ele também alerta: esses mesmos intelectuais podem se tornar dogmáticos e ideológicos, caso se fechem em visões totalizantes.
A obra de Mannheim continua relevante porque vivemos, ainda hoje, em sociedades marcadas por polarização, fragmentação discursiva e disputas por verdade.
Seus conceitos de ideologia e utopia ajudam a entender por que grupos diferentes interpretam os mesmos fatos de formas opostas — e por que o diálogo entre eles é tão difícil.
Mais do que relativizar a verdade, Mannheim nos convida a reconhecer os conflitos que estruturam o conhecimento, como passo necessário para uma ciência social crítica e transformadora.